I - Como sabem , creio em Algo que nos transcende por completo, mas não estou ligada a nenhuma religião organizada.
Nem me interessa a designação , embora para mim seja o Grande Espírito ( invocação dos índios norte-americanos) e concorde de todo com os árabes quando dizem que "os caminhos para Alá são tantos quantos os filhos do Homem".
Relativamente ao Cristianismo, penso que os princípios são generosos e com bons ensinamentos. Até porque fazem parte do núcleo de ensinamentos comuns a todas as grandes religiões.
Só que, desgraçadamente, a versão oficial de Roma impôs-se à custa da perseguição, da dor, do sofrimento, da destruição e das hediondas fogueiras da Inquisição, ainda hoje existente( Ratzinger , antes de ser Bento XVI, era o seu chefe máximo).
Ninguém decente pode esquecer a cruel Cruzada que esmagou o Catarismo (e os cátaros), integrando brutalmente o Languedoque no que hoje é a França. Aliás, foi através desta devastação total que Domingos de Gusmão deu origem à sinistra Inquisição.
Ao longo dos séculos, a Igreja tem estado sempre ao lado do Poder de turno . Temos como exemplos mais recentes e próximos, o incondicional apoio do cardeal Manuel Cerejeira ao seu amigo e ditador Oliveira Salazar e a estreita colaboração da Opus Dei com o regime franquista, que valeu um título de nobreza a Josemaría Escrivá, seu fundador ( colocado por João Paulo II nos altares em tempo relâmpago).Para não falar no silêncio conivente de Pio XII durante a II Grande Guerra nem no corredor de fuga para criminosos de guerra através do Vaticano após esta acabar.
Como instituição, o secretismo e a imobilidade conservadora são as suas características mais marcantes. E está disposta a tudo para não haver alterações: João Paulo I teve um conveniente ataque cardíaco fulminante após ter entregue ao Secretário de Estado a lista de nomes a afastar, incluindo o do próprio Secretário.
II - Aparece agora Francisco, que imediatamente se popularizou pelo simples facto de se mostrar como ser humano que é , por renunciar a toda a pompa e circunstância inerentes ao cargo e por estar muito próximo das pessoas - sem ser "com cara de funeral ", na sua adequada expressão.
A sua postura e o meu receio de que morra inesperada e misteriosamente (o Vaticano recusou a autópsia de Albino Luciani), levaram-me a ler, pela primeira vez na vida, um documento oficial da Igreja Católica: "Evangelii Gaudium", a sua primeira exortação apostólica .
Não podemos esperar grandes inovações: a condenação do aborto em qualquer circunstância e a recusa do sacerdócio à Mulher continuam de pedra e cal.
Porém, foca temas importantíssimos como "esta economia que mata", a "globalização da indiferença", as novas e desumanas formas de exclusão e a sua exigência de um maior e mais profundo empenhamento da Igreja a favor dos mais pobres, desfavorecidos e abandonados.
Os cristãos, enquanto tal, devem ser portadores do Evangelho, mas com alegria e fazendo da sua vida um exemplo. Devem dialogar e respeitar outras crenças, mas não para um consenso oco e sem sentido.
Faz também uma referência muito especial a Maria, tomando-a como Mãe de tod@s nós-
Agradou-me o tom da Exortação e saber que o actual Papa pretende para a Igreja Católica , Apostólica, Romana ,uma proximidade de quem realmente necessita de apoio e protecção e o abandono do luxo e das riquezas.
Infelizmente, não vejo que a hierarquia faça eco das suas preocupações e tenha vontade de o acompanhar nesta sua orientação mais virada para a intervenção contra a exploração das pessoas pelos sacrossantos mercados e seus servidores.
III - Neste sentido, vejamos qual a actuação da Igreja Católica portuguesa.
Tal como José Policarpo, seu antecessor,Manuel Clemente, patriarca de Lisboa , apoia publicamente o Governo e as suas medidas de austeridade, mesmo sabendo da elevada taxa de desemprego , dos milhares de pessoas que emigraram e, certamente, do aumento dos suicídios, e dá-se ao desplante de querer referendar os Direitos das minorias. Tudo isto tendo nos lábios , um sorrisinho adocicado atrás do qual se esconde algo muito desagradável.
O bispo de Coimbra considera que o povo não está triste e tudo está dentro da normalidade, esquecendo a realidade que o cerca.
A única voz dissonante, além das do padre Mário Oliveira e frei Fernando Ventura**, é a de D. Januário Torgal Ferreira que , com toda a razão, afirma que "os católicos deste Governo não deviam comungar" e que quem está no Poder deveria sair e o país realizar novas eleições para a Assembleia da República.
Esperemos que tudo corra para bem das pessoas humildes, embora ache esse um milagre tão grande que nem a Senhora de Fátima ( em conjunto com todas as outras invocações de Maria)
conseguirá!!
**Por questão de justiça, tenho que acrescentar frei Bento Domingues e padre Anselmo Borges (Obrigada, Pedro !).