VOTO
Muitas vezes desejei ter nascido mulher.
Parece-me a única forma segura de ser plenamente humano.
Pense-se nos problemas - alimentar as crianças,
Manter a saia a boa altura e os lábios vermelhos,
Estar atenta ao calendário e ao último autocarro para voltar a casa,
Ser gentil para as dezenas de convidados na sala;
Ter de mudar de penteado e de nome
Pelo menos uma vez; aprender a aceitar as críticas;
Conseguir que o marido continue fiel, ocupar-se da casa
E de todas as coisas pelas quais deveria estar grata
- Votos e propostas, chocolates e lugares no comboio
Ou em que deveria ser perita - máquina de escrever, pó-de-arroz, caneta, diafragma, agulha, livro de cheques, tachos, cama.
Parece-me a única forma segura de enlouquecer.
Assim, porque quereria alguém ser mulher?
Será preferível ser-se o herói ou a vítima?
Será preferível vencer, seduzir e ler o jornal
Ou ser espancada, estar grávida e ter de pôr a mesa?
Nada é gratuito. Para pagar o preço
Não seria , afinal, mais simples não ter escolha?
Só a doença, recorrente, inevitável,
Pode ensinar-nos o gosto do que é sentirmo-nos bem.
Homem algum jamais sentiu a sua filha rasgar
A carne que ele já tinha rasgado para depositar a sua semente.
Os homens conhecem a dor do nascimento através de uma espécie de teoria:
Homem algum foi protagonista da história,
Esteve a sangrar, exausto e dolorido,
Á espera dos pontos, do sono e de estar só,
Escutando, com o seio palpitante, o vagido hesitante
Ao lado da cama, que se torna contínuo com o despertar.
É esse o preço. É esse o valor do amor.
Ele vai continuar a apertar-te o coração como secundinas.
Quer o escolhas , quer não, vais pagar e tornar a pagar.
Ao longo de toda a tua vida.
Nada é gratuito na terra.
LAURENCE LERNER
("SELVES", 1969)
NOTA: a ilustração é um quadro da pintora mexicana Frida Khalo, casada com Diego Rivera.