Ó míseros mortais! ó terra deplorável!
De todos os mortais monturo inextricável!
Eterno sustentar de inútil dor também!
Filósofos que em vão gritais:"Tudo está bem";
Vinde pois, contemplai ruínas desoladas,
restos, farrapos só, cinzas desventuradas,
as crianças e as mães, os seus corpos em pilhas,
membros ao deus-dará no mármore em estilhas
desgraçados cem mil que a terra já devora,
em sangue , a espedaçar-se e a palpitar embora
que soterrados são, nenhum socorro atinam
e em horrível tormento os tristes dias finam!
Aos gritos mudos já das vozes expirando,
à cena de pavor das cinzas fumegando,
direis: "Efeito tal de eternas leis se colha
que de um Deus livre e bom carecem de uma escolha"?
Direis do amontoar que as vítimas oprime:
"Deus vingou-se, e a morte os faz pagar seu crime"?
As crianças que crime ou falta terão, qual?,
esmagadas sangrando em seio maternal?
Lisboa, que se foi, pois mais vícios a afogam
que a Londres ou Paris, que nas delícias vogam?
Lisboa é destruída e dança-se em Paris.
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